E-sports ganham espaço nas universidades brasileiras

Com competições nacionais, a modalidade amadora se fortalece e busca reconhecimento como prática esportiva

Júlia Portes

11/8/20256 min read

Os e-sports já são uma realidade no cenário profissional e ganham cada vez mais espaço entre estudantes universitários. De Curitiba a São Paulo, equipes formadas dentro das universidades treinam regularmente, participam de competições e disputam grandes torneios, como a Copa Aliança e os Jogos Universitários Brasileiros (JUBs), organizados pela Confederação Brasileira do Desporto Universitário (CBDU).

O maior mercado gamer da América Latina

O Brasil é amplamente reconhecido como uma potência em esportes tradicionais, como futebol, vôlei e atletismo. Entretanto, ainda é despercebido por muitos que esse destaque se estende ao cenário dos jogos digitais. Como o maior mercado da América Latina, o país é considerado o 5º do mundo em número de jogadores online, com cerca de 103 milhões de pessoas, segundo a Newzoo (2023).

Além disso, o país aparece entre os que mais consomem transmissões de e-sports, especialmente em plataformas como a Twitch e Youtube Gaming. Segundo a Pesquisa Game Brasil (PGB) 2025, cerca de 82,8% da população brasileira, ou 176 milhões de pessoas, jogam algum tipo de games. Entre os jovens de 18 a 24 anos, são mais de 70% que jogam regularmente.

No ambiente universitário, esse interesse se traduz em núcleos organizados e competições estruturadas. É o caso da Universidade Federal do Paraná, em Curitiba, onde estudantes como João Gregório encontraram nos e-sports o espaço competitivo que buscavam. Filho de um ex-jogador profissional de futebol, ele praticou diversas modalidades antes de se dedicar ao League of Legends.

— A diferença é o alto rendimento. Toda decisão importa. Pequenos detalhes fazem toda a diferença. É preciso pensar no momento e nas próximas jogadas. Exige treino, repetição e estratégia. Igual a qualquer outro esporte.

João, conhecido no jogo como Greg, conta que a escolha pelos e-sports foi natural:

— Eu já competi em outros esportes, mas hoje não mais. Foi uma decisão minha, meu pai nunca me impôs nada. Desde criança sempre fui muito competitivo, gosto de mergulhar de cabeça nas coisas.

Na mesma equipe universitária, a Azure Bears, o estudante Davi Luiz, conhecido como Rosa, seguiu trajetória parecida. Começou a jogar com 9 anos, competiu ainda no ensino médio e encontrou na faculdade a chance de continuar evoluindo:

— Comecei com 9 anos, na casa dos meus primos. Eles estavam jogando e me chamaram pra tentar. Desde então, nunca parei.

Greg levanta a taça da Copa Aliança, conquistada ao lado de Rosa pela Azure Bears (Foto: Leo Sang/Copa Aliança)

A entrada na universidade ampliou esse caminho. Em outubro de 2025, Greg e Rosa disputaram a final da Copa Aliança, torneio universitário oficial dos jogos da desenvolvedora Riot Games. O evento contou com torcida presencial, produção profissional e cerimônia de premiação.

Apesar dos dados mostrarem que os jogos digitais fazem parte do cotidiano de milhões de brasileiros, muitos ainda resumem os e-sports como uma prática de hobby, um joguinho recreativo ou até mesmo perda de tempo. Rosa lembra que, no início, familiares e pessoas de fora do cenário compartilhavam essa visão:

— No começo foi difícil. Eles achavam que era só um jogo. Com o tempo, fui mostrando que é um cenário competitivo de verdade, que movimenta dinheiro e gera oportunidades. Hoje minha mãe entende e até se emociona. Ela me ligou chorando de felicidade quando ganhei.

“Esporte está na cabeça”: o debate sobre os e-sports

Em 16 de março de 2023, o presidente do Comitê Olímpico do Brasil (COB), Paulo Wanderley, declarou que os e‑sports não deveriam ser considerados esporte, embora reconhecesse o bom desempenho dos brasileiros nessa área. A afirmação foi feita diante da possibilidade de inclusão da modalidade nos Jogos Olímpicos pelo COI, ocasião em que ressaltou que seguiria a decisão tomada pela entidade internacional.

A ex-ministra do Esporte, Ana Moser, também se posicionou de forma crítica: segundo ela, “o esporte eletrônico é uma indústria de entretenimento, não é esporte”. Em entrevista ao UOL, Moser comparou os treinos de atletas de e‑sports aos de artistas como Ivete Sangalo, dizendo que “o jogo eletrônico não é imprevisível". Ele é desenhado por uma programação digital, cibernética… é fechado, diferente do esporte.”

Afinal, o que define um esporte? Larissa Jensen, formada em Educação Física, é pesquisadora no Instituto de Pesquisa Inteligência Esportiva e dedica-se a explorar a intersecção entre e-sports e práticas da área. Ela acompanha essa transformação de perto e, ao mesmo tempo, percebe em sua própria trajetória como o cenário se modificou rapidamente, refletindo tanto no universo acadêmico quanto no esportivo.

Quando cursava a graduação, não existia nenhum núcleo universitário de e-sports na UFPR, tampouco iniciativas institucionais semelhantes às que existem hoje. A prática do jogo digital entre alunos era algo informal, sem apoio, estrutura ou reconhecimento.

Hoje, a UFPR abriga a Azure Bears, um projeto de extensão oficializado graças ao incentivo de uma servidora administrativa que ajudou a estruturar o núcleo. Esse avanço, para Jensen, é prova do processo crescente de institucionalização dos e-sports nas universidades.

Utilizando a análise proposta por seu professor Wanderley Marchi, ela explica que os esportes eletrônicos manifestam as mesmas cinco dimensões estruturantes do esporte contemporâneo: emoção, estética, ética, espetáculo e educacional. Segundo Jensen, essa equivalência torna mais claro por que os e-sports devem, sim, ser reconhecidos como prática esportiva.

A emoção aparece nas transmissões ao vivo, na vibração do público e na tensão sentida pelos próprios atletas durante as partidas. A dimensão estética se expressa nas jogadas visualmente marcantes, na fluidez do movimento digital e no design das partidas. Jensen cita o famoso “quadra kill” do jogador brasileiro Code no CS:GO, que acabou eternizado como um grafite dentro do próprio jogo.

Já a dimensão ética se revela nas regras internas, no fair play e na crescente busca por institucionalização das competições. O espetáculo se materializa nas grandes arenas, nas finais presenciais e nas transmissões acompanhadas por milhares de espectadores. Por fim, a dimensão educacional surge na formação de comunidades, no desenvolvimento de habilidades cognitivas e na criação de núcleos universitários que promovem pertencimento, aprendizagem e engajamento social.

A visão dos jogadores universitários também reforça esse movimento de legitimação. Victor Cavalcante, aluno de Engenharia Civil na USP e campeão de TFT pela POLI Plague, explica que os e-sports sempre ocuparam um lugar importante em sua trajetória pessoal:

— Sempre foi uma forma de me reencontrar. Antes da faculdade eu não fazia ideia de que esse cenário existia. Meus pais sempre me apoiaram, mas sem entender muito bem o que era. Achavam que eu estava ‘gastando tempo com joguinho’, mas sabiam que me fazia feliz.

Ao ser questionado se considera os e-sports um esporte, Victor recorre à frase do ex-jogador de basquete Shaquille O’Neal.

— O Shaq tem uma frase que eu gosto muito: ‘Esporte está na cabeça’. Todo esporte exige mentalidade, foco e disciplina, independentemente do físico. Nos e-sports é igual. A dedicação, o treino e a estratégia são fundamentais. O que muda é o tipo de habilidade. Mas o esforço e o comprometimento são os mesmos.

A frase citada por Victor foi dita por Shaquille O’Neal em entrevista, quando foi perguntado se jogadores de e-sports são atletas. Ele respondeu que sim, afirmando que ser atleta depende principalmente da mentalidade. Segundo Shaq, apenas 15% do desempenho está ligado ao físico; o restante está na cabeça. “Quando os jogadores de e-sports dizem que são atletas, eu acredito, porque não posso fazer o que eles podem”, afirmou.

O cenário universitário

Dentro das universidades, os e-sports deixaram de ser apenas uma atividade recreativa e ganharam espaço como prática competitiva estruturada. Grazielle Sanches, de 21 anos, é presidente da CAAP E-sports, núcleo da Universidade Federal do ABC (UFABC), e acompanha de perto essa evolução.

— Ao entrar em contato com esse universo, muitos se surpreendem com o tamanho da estrutura. Temos um apelo muito forte com o tema, e isso gera eventos impactantes. As pessoas ficam impressionadas, dizendo que parece um evento profissional. E, na verdade, é só a nossa Atlética fazendo tudo isso — conta Grazielle.

Segundo ela, o reconhecimento dos e-sports dentro das universidades cresceu nos últimos anos:

— Antes, o foco era totalmente nos esportes de quadra. Hoje em dia, há um reconhecimento real dos e-sports. Temos nosso conselho, com membros da CAAP desde o tempo em que só havia esportes de quadra, e poucos. Com o tempo, isso foi mudando.

Para Grazielle, a mudança de mentalidade é clara:

— Os e-sports são relativamente novos, mas as pessoas já reconhecem seu potencial. Elas se esforçam e passaram a enxergar os e-sports com outros olhos. A mentalidade do pessoal mais antigo mudou muito: eles começaram a entender que os e-sports são uma potência dentro da universidade.